domingo, março 14, 2010

Ao meu querido Fernando Pessoa

Eu cruzo imaginariamente as ruas lisboetas e me imagino nos cafés sentada a uma mesa entre o sabor dos vinhos e a beleza das poesias.

Eu me vejo entre os papéis à meia luz das velhas lâmpadas do pequeno quarto mal iluminado...

Eu sinto inexoravelmente a passagem das horas, a desordem dos calafrios, o resto de alguma coisa que me invade.

Eu imagino as mãos dele por toda a genialidade e arte que conceberam em contato com canetas e folhas de papel...

Todavia para além das históricas mãos que materializaram versos, eu sonho com as mãos daquele homem incendiado de angústia...

As mãos do homem sem resposta...

Ah e se eu pudesse tocá-las!

Ah e se eu pudesse senti-las!

Que sensação eu teria?

Que efeito esse encontro me causaria?

Eu me pergunto no raiar de cada dia e na solidão de cada noite o porquê da minha tão vã existência...

Eu vivo a melancolia e a pureza de nada saber e de por tudo me encantar...

É o encanto que me aproxima dele...

É o encanto, o fascínio, a ausência de quaisquer respostas, a incerteza de quase tudo... É tudo isso que me faz desejá-lo tão profundamente...

Eu afirmo ser desejo porque a minha admiração por ele é puro desejo...

Desejo me inundar de humanidade...

De ser grande em minha mais profunda e transparente pequenez...

Eu o amo!

E não sei explicar isso!

Não consigo prever dimensões...

Não consigo ser pontual a esse respeito.

Esse homem que conheço somente pelos versos que deixou,

Esse homem no qual encontro acalento,

Esse homem de palavras belas, fortes, delirantes...

Esse homem a quem a morte me impediu de conhecer!

Esse homem que eu nos sonhos mais ingênuos e puros desejaria ter protegido da fúria desse mundo cego...

Esse homem e sua literatura habitam a minha alma!

E eu compreendi o que é alma depois de sua poesia...

Eu entendi o valor de uma palavra pelo que ele deixou escrito...

Eu entendi o que é fome quando encontrei na obra dele a melhor definição: “sentir tudo de todas as maneiras”...

Ele me alimenta diariamente apesar de eu não saber de cor nenhum de seus poemas...

Mas não os decoro pela seguinte razão: eles não pertencem à minha memória... Eles são universais! Não quero prendê-los na inconstância do que sou...

Apenas necessito deles ao alvorecer de cada dor e alegria que sinto...

A cada sensação inconfessa...

E eu me confesso ao me deleitar em qualquer poema dele...

É na poesia dele que tenho encontrado a fonte da vida e tenho peregrinado rumo a certeza da morte...

E como uma droga, seus versos têm me dado doses de gana para seguir vivendo...

Os versos dele me conduzem ao abismo...

A poeira do que sou...

E é nesse entendimento confuso que eu consigo enxergar horizontes...

Pôr do sol largo...

Caravela anacrônica...

Quadrinha singela...

Anestesia contra a lucidez do mundo...

Opção indomada pelo delírio...

Alforria de qualquer degredo real e imaginário que me envolva.

Ele é Fernando. O mais “pessoa” das pessoas...

Aquele que a dívida da existência já solapou...

Mas que o tempo continua a relembrar...

É o homem de outra época com o qual me reconheço mais...

É o ser que já se foi que para mim tem tido mais valor do que muitos ainda vivos com os quais já cruzei nessa curta vida...

Porém para mim ele sempre significará vida...

Aquele conceito de vida que está dentro de cada um de nós...

Aquela eleição de forças que realizamos dentro de nós...

Aquela sede de alma e de comboios de corações que singularizam a nossa passagem por essa terra...

A nossa passagem pela vida das pessoas...

Assim como ele marca a minha vida pela passagem dos seus versos!

Fernando Pessoa: a você todo o meu amor...

Toda a loucura da qual sou feita...

Todo o meu sintoma de diferença...

Toda a minha contestação da selva...

Toda a minha admiração eterna...

Todo o resto de vida que ainda tenho...

Toda palavra adornadamente bela que eu conseguir escrever!

A você, todo o tempo que nos afasta e todo o desejo que nos une...

Toda a minha paixão fulminante...

A você, a primeira leitura que fiz dos teus versos...

A melodia breve que deles extraio...

A compreensão que me falha...

A você, todo o pouco que sei de ti...

A você, todo o desejo de saber mais...

A você, meu horóscopo geminiano como o teu...

A você, todas as coincidências que humildemente verifico entre nós...

A você, entrego toda a agonia do que pra mim é viver.

Mesmo longe das tabacarias, eu anseio tragar a vida que escorre dos teus versos...

Mesmo longe das desgastadas adegas, eu agonizo pelas taças de vinho e minúsculos copos de aguardente para amenizar minhas crises delirantes...

Sinto que de algum modo, em algum lugar que não acredito existir, mas que neste momento finjo imaginar que exista, sei que desse lugar imaginário onde toda a tua energia e luz habitam, nesse lugar virtual, você alcança de algum modo todo esse meu exílio...

Mais do que isso, eu sei que você alcança esses meus dizeres...

Esse meu sofrer que me torna tão viva... Que contraditoriamente me consola e me provoca estilhaços de felicidade...

Nesse momento tão irreal como a possibilidade de te ver, eu te sinto aqui!

E a chuva que se espraia em meus olhos é a definição do que vivo em mim agora...

E o vento que violentamente sopra lá fora é pura metáfora se comparado às tempestades existenciais que me inundam de sei lá o quê...

E assim, tudo é maior que qualquer coisa...

E assim, qualquer gesto imaginário é o consolo que a própria imaginação tão companheira de nós geminianos nos oferta!

E que seja sempre vida o nosso encontro!

E que seja luz a sombra que se aparta de nós...

E que seja o céu a imagem azul do nosso eterno sonho de imensidão!

Eu te asseguro:

O que mais gosto em você é o que a tua ausência me causa: a mais vibrante sensação de preenchimento!

Pois com teus versos por perto eu sei:

Não posso e nem devo me sentir só...

Jamais estarei completamente só.

Um comentário:

  1. À ele... Somente à ele tudo que em mim ficou...
    Lembranças de momentos vividos intensamente!! Abnele

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