sábado, março 13, 2010

Destoar pelas palavras ou "palavras que destoam"

Optei de início por uma apresentação que tem por tema as palavras, o poder das palavras. E como esse espaço será habitado pelas palavras, que elas sejam sempre que puderem "destoantes".
PALAVRAS
Como se todo e qualquer gesto e sentimento conseguisse ser apreendido pelas palavras, eu sigo insistindo em escrever desequilibradamente... Tenho perseguido a rítmica das sensações. Sensações que se emaranham dentro de mim a buscar ao mesmo tempo qualquer coisa de real e idílico.
Seguindo a rota do sol sinto o brilho de dias melhores se expandir nas imagens do horizonte e, assim o meu olhar espraiado em cada medida de tempo, contempla qualquer coisa de intenso que se reflete no simples desabrochar de uma flor... Tudo escapa nas linhas tortas do meu velho diário, mas tudo é susceptível a um instante aprisionador dentro de mim.
Meus olhos claros e longínquos de qualquer mera fagulha de realidade visitam eras, imagens, gestos e cenas projetadas pela própria mente... Meus olhos tendem a fugir do real pela minha natural dificuldade em ser prática e cotidiana. Pelo meu modo alheio e sonhador de ver tudo, pois o verbo ver para mim só faz sentido ao lado do “sentir”. Nesse entrelace um tanto quanto perigoso, o mundo penetra em minha vida e o ver e sentir se unem ao dizer...
Depois de anos no mais profundo silêncio, em silêncio melancólico, eu vivo o tempo do dizer... Aos poucos assumo a minha fome pelas palavras, ainda que isso não signifique uma fome de “explicações”... Na verdade, minhas palavras nada explicam do mundo e das coisas mais gerais e maiores, ao contrário, elas vivem um eterno esforço de explicar somente a mim embora sempre falhem nessa tarefa. Embora cada tentativa de explicação torne mais turvo e fugidio qualquer conceito sobre mim...
Essas palavras que parecem ao mesmo tempo me inundar e me esvaziar de sentido são já algo de mim... Não escapo delas, seja no explícito ou no implícito. Minhas palavras, meus pensamentos, minhas humildes linhas sempre estão acompanhadas de imagens de contemplação... Nelas habita o mar, a lua, as ruas, os versos, a noite, os acordes porque as palavras para mim coexistem com as melodias. Enfeitadas por notas musicais, por traços rítmicos, elas tornam a vida uma eterna sinfonia...
Assim, é quando o dizer para mim se traduz entre escrever e cantar... Em cantar, cantarolar... Esbravejando ou sussurrando as alegrias e catástrofes internas. Logo, cantar se assemelha a um chamado, um convite, uma demarcação de presença, uma atitude de dizer. Cantar é, então, anunciar uma sensação e dizer é cantar a vida. A vida que é feita de ver, sentir, dizer, cantar...
E que seja eterno cada minuto de canção... Que cada canção que perpasse minha vida resuma a minha fome de existência, a minha incerteza corriqueira, o purgante desejo de se desfazer a cada segundo... Então, que a vida seja uma canção: rica em palavras, sons, poesia, contradição... Que a vida não se resuma nunca ao simples passar do tempo, mas que seja para além disso toda a beleza e poesia que guardamos em nós...
Janeiro/2010

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