domingo, março 14, 2010

In natura

Posso ouvir o canto dos pássaros...

Sentir o cheiro de natureza se expandir sobre meus sentidos...

Posso caminhar pelos vales e romper as folhas que se amontoam pelas estradinhas estreitas...

Vou tocando as flores, me inundando de seu perfume...

Cada uma de uma cor diferente pousando sobre o meu olhar...

Colorindo minha visão...

Os raios do sol penetram na relva...

A mata guarda seus mistérios e eu continuo ouvindo uma melodia peculiar que se mescla entre o barulho do vento nas plantas, o percurso de meus passos, a cadência de minha respiração...

A pureza desse momento que contemplo e vivo me pulveriza de sensações incomuns...

Nesse momento me vem à mente os lírios do campo de Érico...

Os crisântemos de Florbela...

As pétalas nas metáforas de Djavan...

Vem-me à mente o eterno elogio da natureza do bucólico Caeiro...

E assim, todas as imagens se transpõem em quadros...

As paisagens ilustram o íntimo do que reina em mim...

Essa visceral vontade de vida...

De uma vida simples, mas poeticamente ornamentada...

Vida que resulta de encontros...

De desejos...

Uma síntese de vida que se aproxima das palavras...

Atalhada pelas palavras, ainda que escape às próprias palavras...

Porque viver nem sempre é percorrer as geometrias do visível ou exteriorizar os seus surtos diários nas ações que geram as maiores audiências...

Viver é antes de tudo manter-se vivo dentro de si...

É querer sentir a vida dentro si...

Em toda a complexidade que exige...

Na simplicidade de cada sentimento...

Na vontade de amortecer qualquer dor ainda que ela seja um dos degraus para o próprio entendimento de si...

É preciso sorrir e derramar lágrimas...

Regar as plantinhas da varanda do seu apartamento...

Provocar um pouco de verde no predomínio do cinza...

Às vezes é preciso não se explicar como a natureza...

E entregar-se apenas a experiência de viver e sentir...

E nessas minhas linhas sempre finalizadas de reticências denuncio a imensa dificuldade que tenho de fechar os cadeados... Prender as porteiras... Travar os portões...

Porque há tanta coisa para se dizer ainda...

Há tantos versos por fazer...

Melodias para cantarolar...

Dores para sentir...

Alegrias para causar...

Há tanto para se tornar possível lá fora...

Há tanta gente sem sonho e sem gana...

Há tantos rostos esmagados pela dureza e pequenez da grande pintura cotidiana...

Há tanta gente que quer pão...

Há tanta gente a negar um cumprimento de mão...

Há tantos que negam um sorriso a um estranho pelo simples fato de parecer ridículo e ingênuo...

Uma porção de estradinhas, lagoas, pássaros e flores esperam por um momento conosco...

Nós, humanos.

Poderosos humanos! Supremos no espaço e no tempo...

Mas irrisoriamente mortais...

Pateticamente finitos...

E como dói saber que a terra será o espaço eterno do corpo vão...

Porque vã é toda essa vulgaridade com a qual vemos o mundo, a vida e o nosso semelhante...

Entretanto, ainda sim, eu espero sorrisos...

Busco entender as lágrimas e enxugá-las, se possível...

Eu me permito não ter o papel principal pela minha eterna resistência em ser banal...

Ainda que tudo o que penso e sou seja sempre visto como banalidade...

Mesmo assim, creio na beleza dos dias que vivo e sinto em mim...

Olho para o que há dentro de mim...

E as batidas do peito alertam: uma sensação de vida pulsa aqui!

Estou viva, ainda que as batidas no peito não legitimem por si sóis o verdadeiro sentido da vida...

Porque viver não é só nascer, mas ter o dom de permanecer vivo a cada instante!

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