terça-feira, março 30, 2010

Encontro

Porque se eu for a lua, você pode ser o sol!
Porque se eu for a terra, você pode ser o mar!
Mágico encontro.
E assim...
Nada é oposto.
Tudo é disposto!

Do outro lado da janela.

Sem mais delongas, abra a janela!
Estou farta de aprisionamentos vãos...
Que grande espetáculo é montado do outro lado da janela!...
Eu vejo gente do outro lado da janela...
Através da janela eu descubro que não moro sozinha nesse mundo...
Mas também percebo tantos olhares que me captam estranhamente...
Meu conceito foge deles...
De um dito, de um perfil, de um rosto.
Sou inacessível!
Isso causa calafrios aos nobres e ponderados seres do outro lado da janela...
E isso me responde uma antiga questão:
Do outro lado da janela, descobrimos outros companheiros de espécie.
E mesmo lá, misturados a eles, descobrimos a continuidade da velha solidão...

Simples assim...

E se eu parecer louco?
Ainda assim, você me olhará?
E se eu parecer sem rumo?
Você ainda vai querer me guiar?
E se eu parecer bobo?
Você vai me entender?
E se eu quiser fugir?
Se eu quiser fugir...
... você topa ir comigo?

Minutinho...

Um minutinho.
Senhoras e senhores, um minutinho.
Um minutinho para que?
Consigo sonhar em poucos minutos...
Em minutinhos sonho absurdamente...
Entre os absurdos que sonho desperto em minutinhos...
Mas em minutos mínimos refaço o percurso do sono
E: sonho!
E porque juntar sonho e tempo?
Se a beleza e a profundidade dos sonhos não podem ser calculadas...
Se o tempo, ele mesmo, não passa de um eterno sonho...
Se sonho em minutos,
Se em minutinhos desperto,
É porque o tempo que me comanda me foge também...

Receita?!

Tem algum resto de coisa aí dentro de você?
Se essa 'coisa' for sentimento, liberte-o.
Lance vôo.
Ria alto.
Seja vento.
Seja lua.
Seja mar.
Uma onda no mar.
Uma cápsula de anti-monotonia.
Uma lareira.
Seja fogo.
Faça arder a vida.
Incendeie as angústias.
Dilacere as feridas.
Se jogue na estrada e caminhe.
Não busque atalhos.
Apenas caminhe!
Seja a expressão da dúvida.
Não queira ter certezas nunca!
Sonhe muito. O mais que puder.
Ignore a realidade, porque ela é patética.
Suma da vida dos outros.
Passe a viver a sua própria vida
No instante mais irrisório,
Na fome mais caótica,
No muro mais intransponível.
Saiba:
Nada é absolutamente intransponível...
Acredite na sua capacidade de estilhaçar os vidrinhos perfeitinhos das casinhas perfeitinhas...
Deboche dos modelos.
Eles são sempre ilusórios.
São frascos vazios.
Velas prestes a apagar...
Viva:
Viva a intensidade do que sente em si...
Dentro de si...
Só quando se vive o que se sente em si,
Se pode sentir o outro...
A magia do outro...
O encanto do outro...
O belo e assustador do outro.

Excesso

Bem que a vida poderia ser resumida em uma fórmula matemática.
Isso me pouparia o eterno esforço da palavra...

Coisas idiotas

Quantas coisas idiotas são feitas por aí!
Quantas palavras toscas temos que suportar ouvir!
Palavras repetidas de uma ordem qualquer...
Venenos discretos que sugam as ilusões necessárias...
As famigeradas inconstâncias...
Os sentidos incompletos...
Todos os dias as mesmas falhas...
As mesmas desgraças contadas...
As desgraças tão alheias quanto suas...
Tão epopéicas quanto os mais mesquinhos relatos!
Com quantas doses de cinismo suportaremos as piadas que de nós mesmos fazemos diariamente?
Com quantas gramas de "originalidade" disfarçaremos o eterno incômodo que nos maltrata?
A vida que esse amontoado de pessoas prega é a verdadeira droga que elas consomem...
Feita de olhar o outro fixamente...
Como se já não bastasse sentir-se observado o tempo todo!
Esse sentido de vida, essa experimentação de vida é tão lacunar!
Como é lacunar qualquer proposta totalizante...
Difícil não se perder por entre as palavras...
Mas nesse exato instante só elas em seus caminhos e significações escorregadias são capazes de diluir a soma e multiplicação desmedida de tanta insatisfação que me consome...
E assim, é melhor já não escrever nada...

segunda-feira, março 29, 2010

Conquista



Seduzir pela palavra. Muitas vezes pela palavra escolhida, emprestada.
Entretanto, ainda sim, ela permanece seduzindo, enlaçando, permitindo...


Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!
Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nesta alma, ficaste,
De todas as que eu amei.
(Só Tu - Paulo Setúbal)

A pureza

Perguntaram-me o que é ser puro.
Eu não consegui responder com exatidão...
Mas ser puro é sinteticamente não ser banal.
Ser puro é o não "ser banal".
Ser puro é ser genuíno nas atitudes, nos pensamentos,
Na visão de mundo,
No modo como se interfere no mundo.
Ser puro é ver além da aparência...
Além do cabelo despenteado,
Do cotidiano sem grandes enfeites...
Porque ser puro é enfeitar a vida com que há de mais simples...
Por isso ser puro se tornou tão raro...
Por isso ser puro é ser raro...
Porque o mundo e as pessoas são todos órfãos de atenção, sinceridade,
companheirismo.
Porque o mundo e as pessoas estão cegas de competição...
Ser puro é ver o outro além dos próprios olhos e muito além dos sentimentos.
Ser puro não é ser bobo...
Ser puro não é ser tolo...
Ser puro é se permitir aos sonhos, aos sorrisos, à riqueza dos instantes...
E se ainda assim, ser puro é ser idiota e ultrapassado,
Eu assumo e alimento apaixonadamente a pureza da qual sou feita!

Um cenário e um riso.

Luas de verão enfeitam noites gris.
Há uma chuvinha fina lá fora
E a passagem de um cheiro incomum.
As medidas do tempo se intercalam
Vulneráveis...
Ilusórias...
Têm poçinhos d'água se formando no chão,
Os grilos em cantos disformes,
As velas rompendo a instantânea ausência de luz.
Tem um quartinho velho no fim da casa...
Quase museu de minhas solidões corriqueiras.
Esconderijo das angústias que teimam em aparecer
Como se a alegria não pudesse me pertencer mais frequentemente.
Mesmo assim, eu permaneço tendo riso.
Não posso me furtar ao riso.
Ele é sedutor...
Singelamente conquistador!
Conquista em segundos de acontecimento as vontades de uma vida inteira!
Traduz de modo sutil a singularidade dos momentos!
A riqueza do sentido da vida...

Conselho emprestado

Com medo de parecer ridículo,
Não se pode conhecer e nem mesmo provar o amor.

Intervalo

Rio atravessado em mim...
Corre para algum lugar qualquer!
Na estante, aquele livro de poesias.
Engasgo com sua melancolia,
Fujo de mim para me encontrar...
Nos olhos, quase lágrimas.
Na boca, quase palavras.
Há uma estranha nostalgia,
Solidão perene,
Incerteza...

Sei lá... Do início ao desvio.

Nem sempre é fácil falar dos inícios...
Eles nos limitam
E eu tenho sérias dificuldades com os limites,
Com as grades...
Conceitos são complexos ambulantes!
Tudo esbarra na imagem que a palavra forma
E eu tenho compulsão por deformações...
Meus desenhos têm formas estranhas,
Linhas desconcertantes,
Inspirações incompreensíveis...
Meu canto é desafinado
Perdido entre a urgência de meu sotaque
E a exigência estética de uma interpretação válida...
Mas para que falar em desvios?
Por qual motivo salientar os deslizes?
O mundo é uma projeção...
O mundo é um desejo...
O mundo é um risco, antes de ser uma certeza.
Sei lá...

Goles!

Um banquete de fantasias,
Um teatro de máscaras,
As velhas fomes dantes,
Os necessários goles do dia...
Anestesia contra o mundo vão,
Contra a dor reprimida,
Exprimida...
E quase tudo é silêncio.
Só o barulho do rádio aos pedaços
Desvia aquela atenção desatenciosa
Que se procura perdida, bandida...
Ela rompe as histórias perfeitas
E introduz roteiros incalculados,
Metades desregradas...
Ela acolhe nos seguidos goles vencidos
O peso da vida,
A loucura do errante...
Terá sido tudo isto apenas um surto alcoólico?

quarta-feira, março 24, 2010

Grilos??

Deixar de lado as algemas, as conveniências, o falso mapa de si...
Um convite ao espaço aberto que deve ser a mente de cada um...
Sem medos, sem "grilos", sem fardos inventados...
Uma canção talvez resuma melhor essa intenção:

Se você passar
Daquela porta
Você vai ver
Como é
Que são as coisas

Sei que o mundo pesa
Muitos quilos
Não me leve a mal
Se eu lhe pedir
Para cortar os grilos
Guardar os grilos
Cortar os grilos
Guardar os grilos

Aí então você
Vai se convencer
Que se o mundo pesa
Não vai ser de reza
Que você vai viver

Descanse um pouco
E amanheça aqui comigo
Sou seu amigo
Você vai ver

(GRILOS - Roberto Carlos/Erasmo Carlos

Ciência, arte e pontuação

Entre ciência e arte eu me dissolvo...
Me fragmento
Fragmento doloroso...
Partos viscerais...
Cortes fulgazes...
Cicatrizes abertas...
Soma, divisão, multiplicação, subtração de tudo!
Sintaxe à vontade
Ser prolixo
Voluntariamente nublado
Pensamento movediço
Problema sem problema algum
Nenhuma chance de solução
Gotas de objetividade num mar inteiro de sensibilidade
Destreza da razão, do esquema, da fórmula, da explicação...
Vã ignorância no esforço de palavras belas...
Intuição? Reflexão?
Para que palavras belas na arena da racionalidade?
Porque tentar enfeitar a reflexão?
Desnecessária ilusão?
A ciência feita de interrogações na urgência de "pontos finais"...
A arte inundada de exclamações, desdenhando muitas vezes da própria pontuação...
E ciência e arte juntas?
Talvez um jogo de reticências... sempre muitos pontos...
As vezes encontrados, em outras perdidos.

Tudo

Quase tudo do alto da varanda parece pequenino, distante lá embaixo...
E eu tenho conversado comigo mesmo...
Tendo tido fome de palavra
De gesto...
De cor...
Me extasio com as imagens do horizonte...
Peço conselhos à lua...
Acompanho com meus sussurros a melodia dos ventos...
É tanta natureza idílica permeando minha tentativa de poesia
É tanto sol, tanto mar, tanta flor...
São tantos diálogos solitários...
Poucas chances de fuga...
Quase tudo é distante
Mas quase tudo não é tudo...
Tudo quase não é nada...
Porque nada é a sorte de não ser tudo...

Acalanto

Ah, deixa a lua romper o horizonte
E banhar de luz os instantes taciturnos...
Horas de sonho e imaginação...
Meu alimento diário das esperas...
E que tudo que agora me constitua seja belo e poético
Assim como é toda lembrança tua...
Que as estrelas que enfeitam o céu negro
Adornem também as imagens que se plasmam dentro de mim...
Que não haja frio ainda que as folhas das palmeiras se movimentem incessantes com a passagem dos ventos...
Que eu saiba apreciar e viver o novo!
Que não haja dúvida ou medo...
Que eu adormeça tranquila acalentada no colo de tuas palavras...
Que eu flutue docemente por entre elas.

A propósito da razão acadêmica

Como lidar com a obra de um escritor incendiado de sonhos?
Mas, eu questiono: Qual escritor é desprovido de sonho?
Qual escritura foge perfeitamente do desejo?
Se assim for, suplico que me indiquem o caminho...

"Sede na saliva?"

À meia luz os olhos continuam perdidos
E o corpo permanece febril
Instantes de suspiros e o olhar se fecha
Procurando por entre as sendas da imaginação
O encontro dos lábios
Um tocando o outro
Toque de singelo desejo
Lábios rosados se tocando, se permeando...
Gosto de amor...
Gosto de gesto...
Gosto de incomum sabor...
Gosto de quase tudo...
Tudo que de belo for.
Há um perfume de pétalas por toda parte
Uma ardência de vida adornando as vontades
Quebrando as sensações solitárias de outrora
É como se os lábios emaranhados rompessem os impedimentos
E abrissem suavemente as portas largas dos sentimentos...
O poeta sentenciou: "matando a sede na saliva"
Encontro de vida, "sensação de reencontro", eu diria...

Nada pra dizer...

Versos poeiris,
Devastados...
As metades do tudo imaginário,
Os restos da casa quase vazia...
Acenos involuntários na janela da frente...
A ausência existe?
Existe a ausência?!
Há mentes imersas de vazio
E parece ser um grande crime viver a própria vida...

Há tanto sentir...

Há quase vento lá fora
E sensações atravessadas aqui dentro de mim...
Há tanto anseio de risco...
Tanto sonho...
Há um riso terno...
Há tanto sentir dentro de mim!...

terça-feira, março 16, 2010

A saudade

Sempre que me ocorre uma sensação de saudade, minha mente evoca essa canção...

"a saudade
é um trem de metrô
subterrâneo obscuro
escuro claro
é um trem de metrô
a saudade
é prego parafuso
quanto mais aperta
tanto mais difícil arrancar
a saudade
é um filme sem cor
que meu coração quer ver colorido

a saudade
é uma colcha velha
que cobriu um dia
numa noite fria
nosso amor em brasa
a saudade
é brigitte bardot
acenando com a mão
num filme muito antigo

A saudade vem chegando
A tristeza me acompanha!
Só porque... só porque...
O meu amor morreu
Na virada da montanha
O meu amor morreu
Na virada da montanha
E quem passa na cidade
Vê no alto
A casa de sapé
Ainda...
A trepadeira no carramanchão
Amor-perfeito pelo chão
Em quantidade..."

BRIGITTE BARDOT - Zeca Baleiro

domingo, março 14, 2010

Recados

Na pureza dos descaminhos
O vento traz os recados do peito
Invade as janelas
Desconsiderando as armadilhas
E leva a saudade dos momentos
No desdém das fronteiras
No desabrochar dos girassóis
Repetindo nas noites por entre os travesseiros
A urgência das vontades...
Há quem diga: "Talvez"...
Eu repito: "Hoje!"

Alfa

Eu estou realmente feliz quando estou possuída de loucura...
Enxergo perfeitamente quando projeto na mente os lugares fantásticos nunca visitados...
Estou completamente vívida quando permaneço ignorando os brutais muros que isolam nossos sentimentos!

Tempo

Saberei que o tempo é anestésico,
Que as horas que me maltratam agora
Sumirão com a passagem do vento.

Devanear

Há um excesso de sensibilidade que me expõe ao ridículo...
Todavia sei que o mar está no meu aguardo
Seja para o deleite da contemplação ou para a cura com o suicídio...
Não saber nada tem esse lado dúbio...
Enquanto isso vou vivendo na pele o calor das dores mastigantes
Que esquecem que tenho toda uma vida pela frente.
Eu quero apenas desejar a beleza dos próximos dias,
Ser o meu próprio alicerce outra vez.
Quero apenas apagar esse hoje que me consome e viver novos dias de paz e sonho.
Pois tudo isso que me rompe será sempre uma mera gota na imensidão do que sou...
Sou tantas coisas que me perco!

Lua

Lua no céu, brilho de um imenso farol,
Única entre os elementos do universo,
Criadora de encantos
Inebriando qualquer desejo exposto.
Mistérios de contemplação
Adornando a ausência de nós,
Reverenciando a possibilidade do olhar,
Restaurando os caminhos
Infinitos em luz, colo dos amantes.

Sem rumo...

É como caminhar num vale escuro...
Às vezes perdemos mesmo a direção...
Às vezes perdemos os sonhos,
As vontades,
As forças para prosseguir.
E nos fazemos de um novo vazio,
Nos atropelamos de decepções,
Nos encontramos ridicularmente atados
E eu havia optado por não contar mais as derrotas!...
Por dar uma trégua no quesito "inutilidade"...
Eu queria alçar vôo rumo à grandeza do pouco que gosto,
Daquilo que para os outros pode parece nada...
E tudo fervilha em mim, em minha mente...
E até quando estou "inativa" penso nas ações que preciso tomar.
Tenho pouco tempo.
Pouco tempo e quase nada...
Segue a vida habitando no pulsar do meu coração
Exalando a dor de existir no meu peito,
Comprimindo os meus medos reais e imaginários...
Tantas coisas me corroem por dentro
E eu nada encontro para cessar essa dor...
Eu nada vejo ou tudo ignoro demais!
Não sei explicar...
Não sei se classifico como covardia própria
Ou se elejo culpados pela minha insatisfação...
Confusa, eu mergulho na minha prisão interior,
No cerco de abstenções.
Estou lúcida e racional, mas já não sei dizer se estar assim me traz felicidade...
Gotas de alguma felicidade qualquer...

Nós em Tela

Pele alva.
Lábio brando,
Convidativo,
Possível,
Abismo...
Face límpida
Regada de pureza,
De doçura.
Olhos de mescla,
De cores enigmáticas...
Espelhos imaginários,
Oceanos cruzados...
Voz de acalanto
Do outro lado do vento.
Canto de encanto
Entre o céu e o firmamento
Onde transponho meus sonhos,
Parábolas e lampejos,
Caminhos e atalhos...
Vem banhar-me da luz azul cintilante!
Rompe o raio de sol que me cega...
Ergue das nuvens plumas de sentimentos...
Espalhando-os pelas notas musicais
E assim compõe canções em louvor a nós,
Aos nossos nós, atados, colados, sentidos!

Um métier?!

O silêncio também é história
E fazer história é um verdadeiro ato de sangrar!
Um sangramento de alma,
Uma ação que fere uma forma de ver o mundo...
Fazer história é cortar linearidades
É alcançar o lado incômodo das realidades...
Não há como se fazer história e permanecer-se o mesmo...
Para mim, história é uma arte,
Uma arte dos tempos e dos espaços,
Dos homens e suas culturas...
É arte pela sua capacidade representativa
Construindo à sua maneira um olhar sobre o mundo...
E assim, para mim a história é uma arte por uma porção de razões,
Mas especialmente por permitir repensar a vida.
A história me dá a chance de não ser banal...
Eu vejo sensibilidade nas histórias!
Acima de tudo, a história habita em mim sob o signo da liberdade.
Apesar das infinitas prisões, eu a vejo como um caminho de liberdade!...

Perfumes de outrora

Refém das noites frias

Do barulho das cidades

Vago nos jardins solitários

Longe da segunda pele

Viajo, sigo os ventos do sul

Descompostos no fascínio dos poentes

E coligidos nos segredos não contados

Mas são perfumes de outrora

Velhas fragrâncias

Girassóis em paredes branco-gelo

Não passam de velhas partituras

Esquecidas pela dor e a angústia

Ao meu querido Fernando Pessoa

Eu cruzo imaginariamente as ruas lisboetas e me imagino nos cafés sentada a uma mesa entre o sabor dos vinhos e a beleza das poesias.

Eu me vejo entre os papéis à meia luz das velhas lâmpadas do pequeno quarto mal iluminado...

Eu sinto inexoravelmente a passagem das horas, a desordem dos calafrios, o resto de alguma coisa que me invade.

Eu imagino as mãos dele por toda a genialidade e arte que conceberam em contato com canetas e folhas de papel...

Todavia para além das históricas mãos que materializaram versos, eu sonho com as mãos daquele homem incendiado de angústia...

As mãos do homem sem resposta...

Ah e se eu pudesse tocá-las!

Ah e se eu pudesse senti-las!

Que sensação eu teria?

Que efeito esse encontro me causaria?

Eu me pergunto no raiar de cada dia e na solidão de cada noite o porquê da minha tão vã existência...

Eu vivo a melancolia e a pureza de nada saber e de por tudo me encantar...

É o encanto que me aproxima dele...

É o encanto, o fascínio, a ausência de quaisquer respostas, a incerteza de quase tudo... É tudo isso que me faz desejá-lo tão profundamente...

Eu afirmo ser desejo porque a minha admiração por ele é puro desejo...

Desejo me inundar de humanidade...

De ser grande em minha mais profunda e transparente pequenez...

Eu o amo!

E não sei explicar isso!

Não consigo prever dimensões...

Não consigo ser pontual a esse respeito.

Esse homem que conheço somente pelos versos que deixou,

Esse homem no qual encontro acalento,

Esse homem de palavras belas, fortes, delirantes...

Esse homem a quem a morte me impediu de conhecer!

Esse homem que eu nos sonhos mais ingênuos e puros desejaria ter protegido da fúria desse mundo cego...

Esse homem e sua literatura habitam a minha alma!

E eu compreendi o que é alma depois de sua poesia...

Eu entendi o valor de uma palavra pelo que ele deixou escrito...

Eu entendi o que é fome quando encontrei na obra dele a melhor definição: “sentir tudo de todas as maneiras”...

Ele me alimenta diariamente apesar de eu não saber de cor nenhum de seus poemas...

Mas não os decoro pela seguinte razão: eles não pertencem à minha memória... Eles são universais! Não quero prendê-los na inconstância do que sou...

Apenas necessito deles ao alvorecer de cada dor e alegria que sinto...

A cada sensação inconfessa...

E eu me confesso ao me deleitar em qualquer poema dele...

É na poesia dele que tenho encontrado a fonte da vida e tenho peregrinado rumo a certeza da morte...

E como uma droga, seus versos têm me dado doses de gana para seguir vivendo...

Os versos dele me conduzem ao abismo...

A poeira do que sou...

E é nesse entendimento confuso que eu consigo enxergar horizontes...

Pôr do sol largo...

Caravela anacrônica...

Quadrinha singela...

Anestesia contra a lucidez do mundo...

Opção indomada pelo delírio...

Alforria de qualquer degredo real e imaginário que me envolva.

Ele é Fernando. O mais “pessoa” das pessoas...

Aquele que a dívida da existência já solapou...

Mas que o tempo continua a relembrar...

É o homem de outra época com o qual me reconheço mais...

É o ser que já se foi que para mim tem tido mais valor do que muitos ainda vivos com os quais já cruzei nessa curta vida...

Porém para mim ele sempre significará vida...

Aquele conceito de vida que está dentro de cada um de nós...

Aquela eleição de forças que realizamos dentro de nós...

Aquela sede de alma e de comboios de corações que singularizam a nossa passagem por essa terra...

A nossa passagem pela vida das pessoas...

Assim como ele marca a minha vida pela passagem dos seus versos!

Fernando Pessoa: a você todo o meu amor...

Toda a loucura da qual sou feita...

Todo o meu sintoma de diferença...

Toda a minha contestação da selva...

Toda a minha admiração eterna...

Todo o resto de vida que ainda tenho...

Toda palavra adornadamente bela que eu conseguir escrever!

A você, todo o tempo que nos afasta e todo o desejo que nos une...

Toda a minha paixão fulminante...

A você, a primeira leitura que fiz dos teus versos...

A melodia breve que deles extraio...

A compreensão que me falha...

A você, todo o pouco que sei de ti...

A você, todo o desejo de saber mais...

A você, meu horóscopo geminiano como o teu...

A você, todas as coincidências que humildemente verifico entre nós...

A você, entrego toda a agonia do que pra mim é viver.

Mesmo longe das tabacarias, eu anseio tragar a vida que escorre dos teus versos...

Mesmo longe das desgastadas adegas, eu agonizo pelas taças de vinho e minúsculos copos de aguardente para amenizar minhas crises delirantes...

Sinto que de algum modo, em algum lugar que não acredito existir, mas que neste momento finjo imaginar que exista, sei que desse lugar imaginário onde toda a tua energia e luz habitam, nesse lugar virtual, você alcança de algum modo todo esse meu exílio...

Mais do que isso, eu sei que você alcança esses meus dizeres...

Esse meu sofrer que me torna tão viva... Que contraditoriamente me consola e me provoca estilhaços de felicidade...

Nesse momento tão irreal como a possibilidade de te ver, eu te sinto aqui!

E a chuva que se espraia em meus olhos é a definição do que vivo em mim agora...

E o vento que violentamente sopra lá fora é pura metáfora se comparado às tempestades existenciais que me inundam de sei lá o quê...

E assim, tudo é maior que qualquer coisa...

E assim, qualquer gesto imaginário é o consolo que a própria imaginação tão companheira de nós geminianos nos oferta!

E que seja sempre vida o nosso encontro!

E que seja luz a sombra que se aparta de nós...

E que seja o céu a imagem azul do nosso eterno sonho de imensidão!

Eu te asseguro:

O que mais gosto em você é o que a tua ausência me causa: a mais vibrante sensação de preenchimento!

Pois com teus versos por perto eu sei:

Não posso e nem devo me sentir só...

Jamais estarei completamente só.