sábado, maio 29, 2010

Sobre poetas, palavras e sentimentos...

Certa vez eu me perguntei se bastava sentir. Certa vez me invadi de dúvidas e as coloquei por entre os traços da escrita. Ali, ao lado, folhas de papel, canetas de todos os tipos e a imaginação como companheira inseparável. Parece-me que as horas nos atravessam mais suavemente se as enfrentamos munidos pela imaginação. O mundo é feito de tantas coisas; a realidade é tão cheia de cruezas diversas que imaginar torna-se tão necessário quanto navegar o é para um marinheiro. Penso que a imaginação funciona como um antídoto. Se lá fora a cidade está sitiada pela epidemia de tanta gente vazia, aqui nesse quarto, trancada, imaginando, eu acabo negando um pouco de tudo aquilo que lá de fora me apavora. Em meio às ruas, às avenidas, às travessas, as pessoas se cruzam, mas não se olham... Atritam-se, mas não se comunicam. Tudo é pressa na cadência imposta pelo relógio. Existe hora para tudo e não há nenhum motivo suficiente para ignorá-la, seja em sua escassez ou excesso. E assim, consumimos um pouco das palavras alheias para só assim fazê-las tão nossas! Elas são nossos túneis, saídas aparentemente invisíveis. Espaços onde a alma pode invadir e habitar sem medo. Espaços que uma vez explorados tem o dom de nos fazer esquecer que este mundo é um grande degredo... E que viver é sentir todo o peso das coisas machucando violentamente os nossos ombros. À luz de velas ou lâmpadas elétricas, escrevendo ou lendo, desvirginamos a nós mesmos num gesto construído entre o suor e ânsia. No pergaminho da escrita, as palavras nos dissolvem e nos erguem. Devoram os ruídos, os gritos, os corpos, os traços, os ditos. As palavras imitam e dão vida às nossas sensações mais íntimas, nos devolvem o gesto de viver e tornam quebráveis os argumentos mais firmes... As palavras partem do sentir e o sentir inevitavelmente se transborda nelas! Por vezes você até supõe que a loucura lhe bateu à porta e que as chaves se perderam... São instantes únicos, sensação de tudo ser sem medo de aparentar nada ser... Os poetas vivem na demanda de responder ao impulso da realidade e fazem isso recriando-a, adornando-a do belo, do trágico, do riso, da dor... Sorrindo da seriedade do mundo e das pessoas... Debochando das certezas, os poetas traçam seu sucesso e sua desventura, negam o que a maioria afirma, insistem obstinados naquilo que todos descartam... O poeta é um peregrino do verbo “ser” e faz do “estar” o seu termômetro, o indicador de suas emoções... O poeta nada conclui, tudo dilui... O universo é pouco para ele e o horizonte é a esteira de seus passos mais sonhados... Esse ser das palavras e sensações rivaliza com o tempo, vivendo-o em pingos, esticando-o em instantes do mais ‘impróprio’ ócio. O poeta diz de si e se faz espelho de angústias e delírios do mundo. Mistérios lhe corroem em todo ato de olhar o ‘tudo’. Como um pescador, ao longe, ele observa os peixes tentando pescá-los e os levar para junto de si. E assim, os devora entre o olhar e o organismo, tudo comunicado pelo anzol. Trajeto de encontro ou de despedida no qual o poeta tece sua canção silenciosa, recriando melodias. Poeta tão poeticamente refeito em verso, contudo grandioso não apenas pelo que escreve, mas pelo que alcança através da sensação. Sensação celebrada no encanto causado no outro. Toda poesia torna-se chão de um delírio e acima de tudo uma suspensão do tempo, um riso saboroso, a saciação da fome de vida. Que os versos sejam sempre inúteis para a minha dor, pois só dolorida os procuro e encontrando-os, sentindo-os, calando-os em mim, eu calo a minha própria dor, logo ela passa a não ter sentido e viver torna-se poético!

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